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Thursday, July 30, 2009

 

Capítulo-1

Tarde, muito tarde da noite ela abriu os olhos e então pôde ver a maravilha das maravilhas surgir sobre sua cabeça na forma de um céu multi estrelado e foi também nessa hora que percebeu por primeira vez a vertigem, porque tudo estava ao contrário e o chão era o que estava por cima e a imensidão das estrelas ficava embaixo de tudo, só esperando que ela se desprendesse para cair eternamente na profundidade do espaço. “Obrigado gravidade”, ela pensou justo na hora em que seu corpo se desprendia da cama e começava a cair pelo escuro da noite num mergulho em direção ás estrelas, e ainda por cima não era muito boa em astronomia só conhecendo umas poucas constelações, em especial Órion por causa do cinturão feito pelas Três Marias que ela achava engraçado, mas agora a situação era outra e o espaço continuava puxando seu corpo e não fosse o absurdo da coisa e o medo do incerto até que seria divertido. Mas nada disso impedia que admirasse a beleza da noite e aquelas infinitas estrelas recortadas contra um céu escuro e fundo, cada vez mais fundo. E ainda bem que ela teve o bom senso de não olhar pro ponto de partida da sua queda-subida porque daí a vertigem seria demais. E quem disse que ela teve bom senso se enganou completamente porque acima de tudo a curiosidade falou mais alto e ela acabou olhando pra baixo e foi um susto ver tudo tão pequeno e pior ainda, se afastando a cada instante numa velocidade crescente que nem dava tempo de organizar as coisas, e menos mal que também não permitia que pensasse em coisas lógicas como a dificuldade de respirar que logo deveria acontecer, sem contar os problemas do frio que ela sabia que aumentava à medida que a altitude cresce, porque esse era um pensamento que ela adorava ter quando estava numa janela de avião admirando a beleza da paisagem lá de cima e sempre se lembrava que lá fora nas nuvens estaria um frio de rachar e que isto era engraçado porque muitas vezes não parecia. Ai quanta bobagem a gente pensa quando está flutuando no ar. Ela agora pensava e pelo menos isso era divertido e leve. Aliás, como era boa essa palavra, leve, leeeve, leve-leva, pensou rindo.
Depois disso veio uma certa calma, que sugeria a feliz idéia de aproveitar a circunstância “estar voando” e sendo assim, logo a seguir ela respirou bem fundo o bom ar daquela altitude e fechando os olhos com prazer enquanto esticava os braços como todo super-qualquer-coisa-alada costuma fazer, traçou uma grande curva no espaço. Diga-se de passagem, que foi uma volta bem elegante para uma principiante. E foi assim que ela mergulhou com força em direção às luzes que ela agora percebia lá embaixo onde deveria ser a terra de onde se desprendera.
E eram muitas as luzes daquela terra, luzes em forma de colar, luzes desenhando todo tipo de forma, luzes a se perder de vista olhando enquanto o corpo descia rápido e era muito bom, na verdade bem igual ao efeito dos sonhos e quando ela percebeu estava sobre uma cidade linda que era metade numa ilha e metade no continente, com essas duas partes unidas por uma ponte cheia de luzes, um verdadeiro desenho rendilhado porque ela era do tipo suspensa com muitas tiras de aço presas a duas torres segurando por cima o vão de travessia. Ela gostava de pontes, na verdade colecionava pontes, modo de dizer, é claro, porque que ela procurava conhecer tudo sobre todos os estilos dessas obras, como as pontes da antiguidade construídas pelo Império Romano que atravessaram os séculos e ainda eram capazes de sobreviver a grandes enchentes enquanto as pontes modernas iam por água abaixo, literalmente. Mas ela não tinha preconceito e ficava encantada com as pontes ultramodernas também e adorava ficar olhando por horas a fio as novas e imensas pontes lá da Ásia, as pontes de Nova Iorque, as pontes misteriosas das cidades Européias. Ficava horas olhando velhas gravuras ou programas de TV sobre engenharia contemporânea. Na verdade essa era apenas uma parte de uma imensa curiosidade que desejava absorver todo conhecimento da terra e que muitas vezes terminava em angustia porque era muita coisa pra aprender, ver, tocar, conhecer e ela pensava que tinha pouco tempo de vida pra alcançar esses objetivos. Isso era o que ela pensava, porém na verdade agora o assunto era outro. Era a visão daquela obra magnífica ligando continente e ilha bem lá embaixo, coisa difícil de acreditar, ainda mais porque tudo acontecia muito rápido como num sonho, mesmo não sendo. E foi desse jeito que ela encarou a incrível velocidade do seu vôo, deixando a ponte iluminada pra trás enquanto seguia rápida uma linha de edifícios muito colorida e bem iluminada ao longo do que parecia ser uma avenida beira-mar e logo em seguida tudo mudava radicalmente para uma escuridão absoluta que não chegava a assustar porque de novo as luzes voltavam na forma de pequenas aldeias tão belas quanto adormecidas. E um piscar de olhos acabou com aquele turismo aéreo, porque então uma lufada forte de algo que devia ser uma corrente de ar começou a jogá-la de novo pro alto e ela teve o bom senso de não resistir e deixar aquilo rolar pra ver no que iria dar e deu novamente na escuridão vertiginosa da noite e naquela ciranda de estrelas que não parecia ter fim. E na verdade não tinha mesmo. Foi quando apareceu a geladeira. Branca, ela era muito branca, no começo um pontinho de luz vibrando numa trajetória irregular, mas que se aproximava rapidamente até exibir todo seu desenho elegante e antiquado porque era uma geladeira clássica, uma daquelas bem antigas de filmes antigos, arredondada, com um friso de metal vertical. Era bonita de se ver navegando contra o fundo infinito do universo, mergulhada num silêncio que lhe emprestava ares de nave espacial, o que no fundo ela era, porque era no cosmos que ela estava se deslocando. A curiosidade é uma força da natureza e por isso ela não pôde resistir, mesmo considerando que tudo aquilo era bem absurdo e poderia também ser perigoso, mas era inevitável o contato imediato. E sem saber bem como, ela avançou até bem perto daquela bizarra nave branca, perto o suficiente para alcançar seu trinco futurista e, depois de uma pequena excitação, com as mãos um pouco trêmulas é verdade, abrir sua porta. E aquela era uma geladeira triste, do tipo vazia, na realidade quase vazia. Nas suas grades e divisórias tinha bem pouca coisa mesmo. Na parte interior da porta uns potes vazios de conserva, no compartimento reservado para frutas e legumes reinava solitária uma velha cebola, bem pequena e com ares de quem tinha viajado muito pelo espaço sideral. Uma velha jarra de plástico também vazia completava o quadro desolador, parecia interior de geladeira de estudante vindo do campo pra estudar na capital graças ao esforço de pais dedicados, ela pensou, e quase que uma lágrima ia se instalar nos seus grandes olhos castanhos quando surgiu lá no fundo do compartimento do meio algo que lhe chamou a atenção, um objeto pequeno e incomum para o interior de uma geladeira, pois parecia uma caixa de lápis. O caso é que tudo era bastante incomum desde que ela tinha olhado pro teto do seu quarto, não se sabe bem há quanto tempo atrás. Mas mesmo assim era estranho aquele objeto, principalmente porque, além de fora de contexto, ele parecia emitir uns sons muito baixos, mas que eram claramente os ruídos de uma praia com todos os seus elementos, ou seja, gaivotas, ondas quebrando, gritos de pessoas jogando e até o apito de embarcações de pesca, e foi nesse momento que ela percebeu que o objeto tinha um rótulo que justamente mostrava uma praia com todas essas coisas e mais outras tantas que incluíam um grande farol no alto de um penhasco e também uma aldeia de pescadores que abrigava um bom número de barcos e tinha muitas nuvens num céu bem azul. E no centro da ilustração havia uma família de polvos, na verdade um monte de filhotes de polvo fazendo um círculo ao redor do que parecia ser a figura da mãe, uma fêmea de polvo azul meio gordinha, bem simpática com seu chapéu de palha com fita vermelha e tendo nos seus tentáculos um livro grande com a capa colorida. Ela até ficou contente porque aquela família de polvos, cada um de uma cor diferente, amenizava a tristeza daquela geladeira de estudante pobre e trazia boas recordações de suas temporadas noutras praias. E foi contente que ela caiu em si repetindo uma frase que era assim: Somente o Sonho do Calamar oferece 500 gramas de Verão em Conserva. Coisa bem besta, mas era isso mesmo. Pior ainda quando dito por uma garota flutuando sem destino pelo espaço, repetido sem nenhuma razão, até que ela se deu conta que isto estava escrito naquele rótulo lá no alto, junto das nuvens, presidindo toda alegria daquela tarde enlatada, escrito pra ser repetido por qualquer um que fosse cruzar o seu caminho de passageiro de geladeira interestelar. Estranho, ela pensou, mas daí era meio tarde porque ela tinha avançado na curiosidade e agora suas mãos estavam tentando abrir aquela estranha embalagem sem pensar muito bem nas conseqüências de um encontro com seja lá o que pudesse ter lá dentro, ainda que fossem apenas 500 gramas de verão em conserva, o que até não seria ruim porque o verão deveria ser bem legal em conserva, com todas as suas atividades compactadas, prontas pra serem degustadas. Mas poderia ser diferente e na verdade ela logo descobriria como.
Mas naquele momento ela não dava muita bola pra isso porque já estava achando que esse negócio de flutuar no espaço estava durando mais do que bastante. Então veio o susto, pensando bem foi mais uma surpresa do que coisa que dá medo. Algo se moveu lá dentro enquanto ela torcia com força o objeto de um lado para o outro tentando encontrar a abertura que toda embalagem deve ter, porque se não fosse assim o que seria dos assaltantes de geladeira... E então algo se moveu lá dentro, e ainda bem que ela tinha o temperamento forte e não era de se impressionar, uma coisa muito boa porque afinal de contas se fosse medrosa já teria desmaiado lá atrás, bem no começo, quando o quarto virou de cabeça pra baixo. Com certeza era o que aconteceria comigo, mas essa história não é minha, graças a Deus, e lá estava ela parada bem defronte de uma geladeira antiga, meio curvada flutuando igual uma baleia parece flutuar quando a olhamos de baixo. Só que no caso o cenário é o espaço com quintilhões de estrelas e nebulosas, galáxias, buracos negros, meteoros, meteoritos e tudo aquilo que somado faz o infinito. Pois bem, lá estava ela lutando com a misteriosa embalagem quando descobre que além de estranha parecia ter (ou ser) uma forma de vida, ou seja, alguém. Seria bom tentar escutar se por um acaso esse alguém não estava falando algo e foi isso que ela fez, colocando aquele negócio bem junto do ouvido. Fechou os olhos porque achava que dessa forma seria mais fácil se concentrar e ficou ali, muito estranha a flutuar no espaço, concentradíssima. Ai, se alguém me vê assim ia ser bem ridículo, ela pensou, e bem nessa hora gostou bastante da solidão do universo e da imensa altura em que estava, se é que no universo a gente pode usar uma expressão tão mesquinha como altura, mas enfim o que importava era que parecia não existir nenhuma testemunha daquela situação, ninguém conhecido, é claro, porque tinha um ser dentro da coisa e estava mais do que na hora de se concentrar bem pra ouvir se tinha alguma coisa sendo dita. E ficou ali escutando... E nada. Escutando... E nada. Escutando já com uma pontinha de irritação... E mais nada. Até que lá pelas tantas pode ouvir: somente o sonho do calamar pode oferecer 500 gramas de verão em conserva. E logo a seguir a voz dizia também: aguardem o grande concurso.

Comments:
muito bom esse texto

parabens guazelli
 
Otimo texto guazzelli, me desligou do mundo por alguns instantes.
Que venha o segundo capitulo!
Sou aluna de ilustracao 09 e semana que vem estarei de voltar.
 
Eloar! Me sacó usted de las nubes...ese texto es hermoso...a pesar de que no lo entiendo del todo, por bruta, no por otra cosa, tiene su narración una musicalidad increible, casi lo escucho narrando!

Un saludo grande amigo!
 
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