Wednesday, March 20, 2013
Circular
Passa o uísque, por favor...
não, esse que esta aberto! li num conto do Hemingway que bêbado é quem
abre garrafas, as abertas pode mandar ver ...
Espera tem uma ali mas antes vou
reforçar esse fogo... nossa está um gelo la fora, a tempestade entrou com força
total agora...
Não dá para
reclamar, temos fogo e uísque a vontade!
Mas não vamos perder a mão... essa
ultima foi ótima, vamos continuar!
Vamos sim, é que o frio atrapalha
ao passo que a bebida ajuda...
... quem vai agora? Bem, pode ser eu mesmo... peraí.. tem uma que eu
gosto bastante e se desse um dia eu realizaria com muito prazer
Então, minha abertura de filme...
como eu disse tenho uma que é simples e começa com uma mulher lá pelos trinta
anos, bonita, com porte e que esta com trajes de banho. Ela acabou de chegar
numa praia
Pocitos?
É como você sabe?
Essa história aconteceu com uma
amiga.
É verdade, uma amiga em comum, mas não muda nada, isso aqui é o meu recorte
da coisa
Ele tem razão
Vou continuar pra não perder o fio,
estamos em Pocitos (a Copacabana de Montevidéu), na verdade ela está em
Pocitos, acabou de chegar trazendo uma cadeira e também sacola de
praia.Escolhido o lugar, bem no meio da praia que esta bem cheia, deve ser um
sábado de sol porque a praia está cheia e com aquela luz linda que o Uruguay
tem e ela vai na bolsa e apanha uma cartela de comprimidos que a câmera revela
em detalhe ser um sonífero e daí toma uma dose enquanto reclina a cadeira para
tomar sol, protegida apenas por um chapéu de palha.
A câmera abre e revela o conjunto
da praia com todas aquelas múltiplas ações que fazem um típico dia de verão,
jogos, correria de crianças em meio a vendedores de toda ordem, gente chegando
e partindo, caminhando e correndo e as bolas coloridas por toda parte enquanto
a nossa protagonista impávida toma seu sol. La pelas tantas a multidão se volta
para uma das pontas da praia por conta de um quase afogamento que coloca em
cena um helicóptero de bombeiros que traz numa cesta pendurada o corpo
resgatado que, quase num segundo parto é depositado na areia.( cercado pela
multidão enquanto os salva-vidas fazem o seu trabalho ). Ah, o helicóptero ao
se aproximar do solo levanta uma boa quantidade de areia e faz voar cadeiras e
guarda-sóis que estavam próximos mas nossa amiga segue indiferente tomando seu
sol porque estava razoavelmente distante do epicentro daquele drama.Depois com
a mesma rapidez as coisas retomam seu ritmo normal na praia e assim as horas
passam igualmente indiferentes e aqui eu acho que seria bom a câmera se afastar
bastante...
Para o alto?
Perfeito, para o alto com um olhar
bem abrangente, tipo cartum, melhor, como aquele livro que tem o carinha de
gorro e camisa listrad...
Wallie, onde esta o Wallie...
Isso mesmo... a praia como uma
multidão ao redor da nossa protagonista confortável na sua cadeira de praia
tomando sol de chapéu enquanto lá no céu as nuvens passam como se fossem
manadas de formas apressadas assim bem aceleradas no estilo de animações que assinalam passagem de tempo e é o que de
fato acontece, percebemos bem ao observar também as manchas de sombra se
alongarem, a parede de prédios da praia de Pocitos é perfeita pra isso, lembra
Copacabana e marca o andar das horas como um imenso relógio de sol, fazendo um
belo desenho na tela, sempre com a nossa personagem no centro, placida e
indiferente ao movimento cada vez maior de banhistas abandonando a praia,
atravessando a avenida costeira com suas tralhas, guarda-sol, cestas de todo
tipo, cadeiras, panos, toalhas, uma marcha cigana em direção ao território da
sombra onde os aguardam onibus, carros e taxis. O crepúsculo avança, belo e
urgente, mas a praia ainda resiste em grupos que jogam e casais que caminham
rente a orla, nos eternos pescadores e mesmo em alguns corajosos banhistas
indiferentes a queda acentuada de temperatura na razão direta do avanço das
sombras que agora já ultrapassaram a mulher que dorme sem emitir nenhum indicio
de desconforto, nenhum movimento ou mesmo alteração na sua postura, um
verdadeiro monumento à banhista desconhecida... no horizonte as primeiras luzes
nos barcos em alto mar anunciam a noite e uma brisa fria espanta os derradeiros
grupos em direção a cidade, como escolhos de naufrágio aqui e ali ao longo da
baia alguns pescadores resistem mas quando as luzes da avenida se acendem mais
ninguém - fora a moça da cadeira – permanece na praia e agora por uma questão
de ritmo a câmera volta a usar o recurso da animação para mostrar o avanço da
noite, um ritmo feérico de acender luminosos alcança toda a extensão da avenida
costaneira,sobre neons de toda ordem, vermelhos e amarelos alucinados percorrem
milhares de lâmpadas e tubulações revelando toda sorte de desenhos de letra e
marcas que vendem cassinos hotéis e luxurias variadas enquanto nosso monumento
permanece solene no centro de uma vasta extensão de areia, sem se alterar mesmo
com a visita de um cão que a cheira e
logo vai embora provavelmente perturbado por tanta indiferença. No céu as
nuvens permanecem numerosas sempre num movimento de passagem que lembra o andar
de uma caravana, devagar e sempre rumo a não sei onde e num determinado momento
surge pra completar o quadro uma lua
perfeita, lâmpada que agora projeta uma sombra solitária da cadeira de praia no sentido oposto enquanto na
avenida beira-mar o transito desenha aqueles riscos amarelos e vermelhos que
são um verdadeiro mapa da circulação noturna, que aos poucos vai diminuindo,
sinal de que já é bem tarde, começo de madrugada. E quando o movimento na
avenida cessa de vez e a cidade parece finalmente adormecer então é hora da
câmera começar a se aproximar lentamente do centro da tela, onde a banhista
iluminada pela lua está sim uma estatua perfeita ou a pintura simbolista de uma
estatua também perfeita. E num corte abrupto para um plano fechado do rosto da
moça, de repente seus olhos despertam...
fim... quer dizer, fim do começo do meu filme.. bom pessoal, era isso.
Ahaha... eu já conhecia a história,
mas realmente você soube transformar em cinema, gostei, quero ver o filme...
Eu também, na verdade vou tentar
sonhar isso hoje, se essa conversa não atravessar toda noite
Ainda faltam filmes, talvez o jogo dure mesmo toda noite mas como esta muito frio, acho que vale a
pena...
... alias alguém se habilita depois
dessa abertura praiana intimista?
Na verdade eu queria mas não sei se
não vai conflitar muito porque a minha história não tem essa beleza serena,
esse caráter de poesia visual em estado puro... a minha abertura esta mais para
horror em estado puro, é isso, um pesadelo visual que há muitos anos me surge
de repente e que por isso mesmo eu acho que precisava ser filmado pra
terminar...eu acho medonho, uma coisa medonha que começou na verdade numa nota
de jornal que li faz muito tempo...
Ótimo! é isso mesmo que a gente
queria, se cada abertura repetisse o clima da anterior já estaríamos dormindo.
Concordo
Bom, ao menos avisei... começa dentro de um carro,
ponto de vista de quem dirige, o rádio toca uma musica e a estrada é uma reta sem fim,
provavelmente no pampa. A câmera mostra uma estranha forma no horizonte que na
medida em que o carro se
aproxima percebemos ser a parte
superior de uma espécie de pedreira que contorna um lago de forma estranha, um retângulo não muito grande, do
tamanho de uns quatro campos de futebol. Continuamos com o ponto de vista do
condutor, o carro reduz um pouco a velocidade e podemos ver um vulto na base da
pedreira, um homem que se movimenta na base do lago. A estrada passa bem perto
e então percebemos que o homem está com trajes de mergulho, inclusive tubo de
oxigênio, mas logo tudo fica pra trás e a tela e dominada pela reta negra de
asfalta. O motorista quebra o silencio, a gente percebe pela fumaça de um
cigarro que acaba de ser aceso que existe outro interlocutor, no exato momento
em que ele diz conhecer aquele homem, que ele era um desenhista
importante nos anos sessenta mas que depois tinha entrado no ostracismo. Tinha
trabalhado em Buenos
Aires na era dourada das narrativas visuais, tinha dado aula
na mítica escola Pan Americana, era um velho genial que fez nome como
quadrinista e ilustrador mas que isso não era o que importava e sim o drama
secreto que envolvia aquela função solitária na beira do lago, sim porque -
proseguia o narrador – já fazia umas três semanas que ao passar por aquele
ponto da estrada sempre deparava com a mesma cena, o velho se preparando para
mergulhar no lago ou saindo depois de cumprir sua missão. Toda essa conversa
praticamente em off, a câmera sempre mostrando a estrada, traço de nanquim
preto no meio de uma tela verde. A fumaça do cigarro mancha de vez em quando esse
panorama enquanto o narrador segue contando que o velho teve um filho e que a
relação dos dois era complicada, o velho tinha criado o guri praticamente
sozinho porque a mãe era meio louca e tinha ficado na Argentina... aqui talvez
eu fizesse um corte para o retrovisor que mostrasse a pedreira se afastando no
ritmo do carro... Mas a voz em off
continua sempre ( talvez fosse interessante um sotaque bonito de fronteira,
aquele jeito lindo de falar das pessoas de Santana do Livramento...), contando
que na juventude o rapaz chegou a ir embora por uns tempos mas que depois tinha
voltado e que no fundo tanta dificuldade tinha criado um vinculo muito forte
entre os dois, coisa que ficou clara quando começaram a desenhar uma série em
quadrinhos juntos, razão pela qual o pai voltou a aparecer na cena gráfica.
Neste ponto a câmera retoma o ponto de vista do motorista e vemos pássaros
negros um pouco à frente e logo percebemos a razão, a carcaça de um veado jaz
ao longo da estrada.
O motorista faz uma breve pausa e
retoma a narrativa ... conta que costuma
passar sempre por esse trecho porque tem negócios no Uruguay
De novo o Uruguay, vocês são
fixados nesse país!
Paisito! Grande Paisito! Você não
entende porque vive no centro do país, além de próximos culturalmente a gente
já descobriu a luz e a paisagem maravilhosa da republica oriental del
Uruguay... o lugar é uma locação perfeita...
... mas voltando ao que interessa,
nosso motorista narrador retoma a conversa e explica porque ficou tão intrigado
ao ver uma figura toda hora “funcionando” ao redor daquele lago e continua o
assunto revelando que aquele é um poço artificial, a pedreira originalmente era
uma mina que cavou um buraco muito profundo, por isso a forma
artificialmente retangular, os mais velhos contam que chegava a dar vertigem
aquela cratera cercada de pedras enormes, umas sobre as outras como se fosse o
poço de um gigante de contos de fada... e que depois do termino da exploração os proprietários foram
obrigados a cobri-lo e a maneira que encontraram foi encher de água o buraco
construindo um lago artificial, desviram um dos muitos arroios da região e em
pouco tempo a gurizada do lugar
encontrou um lugar novo para brincar, porem com o tempo as pessoas descobriram
que o lugar era uma armadilha ( nessa hora a câmera passa por um cão morto na
estrada, com uma ave sobre sua carcaça ), os primeiros casos de afogamento só
vieram confirmar esta idéia, não demorou muito tempo para o lago ganhar fama de
maldito e ser evitado por todo mundo do lugar... menos pelo filho do velho
desenhista, que costumava mergulhar ali. O resto veio por uma notinha de jornal
dando conta que desde algum tempo o velho estava desesperado porque seu filho
desaparecera no poço da mina e que por isso podia ser visto mergulhando
diariamente no lago para buscar o corpo do filho... nesse momento a câmera
corta da estrada para o ponto de vista de um mergulhador, o olhar de dentro da
mascara de mergulho com o ruído abafado de respiração...
,,, Igual à cena de abertura da
Primeira Noite de um homem!
Exato... corta para o ponto de
vista do mergulhador, vemos a borda de pedra do poço, parece mesmo uma piscina
gigante, em alguns lugares as pedras irregulares afloram como dentes gigantes,
seu cinza contrastando contra um retângulo verde escuro, fica claro que o lugar
é muito fundo...
Mas o que importa é que no filme
tudo isso é muito rápido, assim que a voz diz que o homem mergulha diariamente
pra buscar o corpo do filho aparece o ponto de vista do mergulhador ... ele da
um passo curto e...
Tchuffff
Isso, tchufff a câmera mergulhador
entra na água que aos poucos vai ficando de um verde muito escuro e só temos o
áudio da respiração e quando tudo fica escuro acende uma lanterna embaixo d‘ água é só o que vemos e desde Então é o
que ela ilumina, paredes e paredes de pedra, assim como se fosse o poço da casa
de um gigante de contos de fada...
Putz...
Eu avisei que era horror... Não
consigo me livrar da idéia de solidão suprema associada ao terror maior dessa
busca
Melhor não achar nada... fiquei com
mais frio, vou botar mais lenha
O fogo tem fome, alimenta
ele... eu adorei, cumpriu a sua missão
com louvor, assim que começasse a cena no fundo do poço eu com certeza ia sair
do cinema... ahaha... mas o começo é ótimo, cinema é isso...
Desassossego provocado, tem quem
pague pra isso...
Achei lindo e terrível mas seria
bom continuarmos direto as narrativas
pra não deixarmos o clima de cada abertura nos influenciar demais... vocês
lembram do acordo inicial? A idéia era isso mesmo, um poupourri de aberturas, umas se
sobrepondo às outras...
Um trago...
Outro... ta mais frio agora, depois
do fundo escuro daquele poço
... iluminado por uma lanterna...
bem, o meu é bem curto e tem terror também mas o final é diferente, desculpe a coincidência, se passa
no interior de um carro...
... Eu não cobro royaltes, fica tranqüila, hehe...
Um carro em meio a uma tempestade
como essa de hoje.. começa com a luz de um relâmpago que mostra uma estrada de
terra que sobe...
Deus, a gente merecia uma folga
depois do lago ....
Espera, no carro o ponto de vista é
outro, a câmera também é subjetiva mas
dessa vez está posicionada no banco de trás, o veiculo está lotado, na frente
adultos ( um casal ) e no banco de trás três crianças, a câmera subjetiva
mostra pernas de garota, estão todos meio apertados... o vidro dianteiro do
carro domina a cena... esperem... vou “desenhar” melhor a cena, o plano pega os
dois bancos da frente: como está escuro as figuras estão recortadas,mas dá pra
ver uma cabeça masculina no lugar do motorista (é o pai ) e do outro lado uma
silhueta de mulher ( a mãe ). No centro, dominando o contexto o vidro dianteiro
onde os pára-brisas trabalham furiosamente, a água escorre em grande quantidade
e o pouco que se vê são trechos de uma estrada tão sinuosa quanto precária...
Ah, esqueci... bem no começo, no
primeiro plano tem ao fundo uma musica que toca no radio (podia ser Sergio
Sampaio, a história se passa nos anos
setenta e na verdade eu adoro ele ) mas o som é ruim, sujo, pra mostrar que toca no rádio e isso é importante
por dois motivos, um bem óbvio é pra colocar a trilha em cena mas tem outra
razão importante que é pontuar a tensão da cena pois em dado momento o rádio
será desligado porque a barra vai pesar...
A sucessão de raios cria um efeito
estroboscópico, a estrada vira um desenho animado em preto e branco, a tela
suja sendo permanentemente limpa pelos frenéticos pára-brisas e a tensão
anuncia o dado momento em que o rádio é desligado. O carro agora dança numa
estrada de chão que agora é lama, exigindo um esforço tremendo do motorista, no
carro tudo é tensão e silencio, em contraste com a fúria da tempestade La fora.
Um relâmpago ilumina uma placa
perdida no meio da borrasca: “Estrada do Siriú”, é o que mal da pra ver, o
carro sabe-se La como faz uma curva e começa a subir, no retrovisor aparecem
desordenados recortes do rosto das crianças no banco de trás, também como
imagens estroboscópicas, praticamente em preto e branco, uma edição também em
ritmo frenético que termina por se estabilizar no olhar da mais velha delas,
olhos negros de menina, com sobrancelhas bem definidas... agora temos um outro
foco de atenção, um olhar de criança que amadurece repentinamente na
adversidade extrema, ela teme pela própria vida, sabe que seus pais estão
frágeis, são quase crianças como ela no meio daquela tormenta que reduz todas
as proporções humanas ao seu devido lugar, a menina descobriu o perigo real e
concreto, sabe que super-heróis não existem e que seus heróis domésticos estão
reduzidos quase á impotência, o carro agora é como um barco enfrentando o tufão
mas não é como nos livros o que está em jogo é real e pode ser irrecuperável
... um trovão mais e a estrada se revela num lamaçal que sobe e sobe cada vez
mais e fica bom aqui uma “dança” interna entre o reflexo da menina no
retrovisor e o ponto de vista do vidro
dianteiro. Contrariando todas as probabilidades aos saltos e dançado na lama o
veículo continua a subir a serra, recebendo
a cada rajada de vento pedaços de galhos e folhas em meio a um bombardeio de águas que vem de todos os
lados, encolhida na sua cápsula de vidro e metal a família mal respira uma
atmosfera abafada, os relâmpagos servem perfeitamente para delimitar os tempos
e trocar os planos, voltamos para os olhos da menina que agora trazem aquela
serenidade dos condenados, tantos foram os sustos e o suplicio de esperar que
um raio ou tronco destruísse de vez com a sua nave que a cada instante se
revela mais frágil... outro raio e a câmera corta para as pernas no banco de
trás, vistas de cima para mostrar também as mãos das meninas que são o retrato
da angustia e impotência, desgovernadas também e balançando ao ritmo do carro
mas cada uma com algo para segurar, um brinquedo, uma boneca, uma corrente nas
mãos daquela que esta no meio do banco de trás e é nossa protagonista... de
repente um estrondo no vidro lateral de
trás, uma imagem em preto e branco que corresponde a mais uma trovoada mostra
um galho batendo com violência na janela mas na verdade essa cena é pretexto
para mostrar um precipício, agora temos a real dimensão da catástrofe, no lugar
das ondas gigantes nossa borrasca na serra apresenta quedas de mais de
cinqüenta metros ao lado da estrada, a espera de um vacilo do veiculo que cada
vez mais se abandona ao azar, deslizando de um lado para o outro enquanto ainda
tenta galgar o trecho final da serra porque sabe também que está num jogo sem
volta, precisa subir porque parar agora significa o fim, sem forças o carro
escorregaria sem controle, completamente a mercê dos penhascos que acompanham
cada curva da estrada... ah, pensei num insert de humor, num dos cortes mostrar
o painel onde fotos 3x4 das meninas acompanham a frase: “não corra papai”, não
sei, a gag é tentadora, talvez fizesse um contraponto à tensão absoluta da cena
mas acho melhor não, isso, esqueçam a piada... voltamos para o ponto de vista
do volante justo no momento em que o carro dá um ultimo arranque e perde um
segundo precioso de força, o suficiente para não vencer uma curva com a
potencia necessária para subir mais um lance bem íngreme, o carro pára e no
desespero de avançar patina e patina e patina... chegamos ao fim da linha...
corte para o olhar da menina e agora temos novamente o medo como um relâmpago
da consciência, não existe mais luta agora o carro vai começar... e começa... a
descer de ré. Nessa hora o plano inverte para o vidro de trás que, ainda que
coberto de lama e sob forte chuva – a cada relâmpago revela a beira do penhasco
que irá tragá-los e nesse mesmo instante irrompe um grito que parece único mas
é a soma do desespero das três meninas, trilha sonora que se soma ao ruído
desesperado ( e impotente ) das rodas gemendo enquanto deslizam para o
desastre. Aqui a edição de imagens é parte do desespero da trama: retrovisor
com diferentes ângulos mostrando o olhar de cada um dos tripulantes daquela nau
desgraçada, planos das rodas escorregando mais e mais, plano da estrada vista
pelos faróis, o alto se distanciando como se a filmagem fosse ao contrario,
corte para a mão da menina dó centro apertando sua correntinha como se fosse um
terço ( num extremo vemos que no lugar
da cruz esta um bonequinho da Minnie ,,,) então temos um plano dos seus olhos
fechando, na verdade seus olhos apertados com uma força extrema, é o fim.
... E de repente, do vidro trazeiro
mal podemos ver o que é, uma sombra surge do nada e se coloca na parte trás,
aos poucos vamos percebendo um torso, um torso musculoso de um homem que está
só de calção... Ah, carro descia inexoravelmente para a borda do precipício
mas a velocidade era muito pouca, o desespero vinha do descontrole e da
impossibilidade de parar pelos próprios meios, uma força externa ainda que
devendo ser bem grande poderia parar aos poucos o processo ( eu já vi isso numa situação nem tão dramática, enfim ), na
verdade essa força somada aos esforços do motoristas poderia sim reverter o
processo e foi isso que aconteceu...
Aos poucos o veículo para de escorregar, na
exata medida em que a figura fica mais definida no vidro traseiro, aquele
recorte musculoso de um homem na verdade parece uma pintura a óleo, sua imagem
“filtrada” pela água que continua a escorrer pelo vidro mas é uma pintura
realista, nítida o suficiente pra mostrar um super-homem sem rosto que acaba
por deter a queda, Hercules revisitado numa estradinha de Santa Catarina, as
vezes transformado pelos relâmpagos em pintura de Caravaggio
isso esta muito gay...
Não interrompe!
Pode ser, é virilidade em estado
puro com certeza mas não necessariamente gay, conta o ponto de vista e no
caso... foi bom você interromper... no caso retomamos o olhar da menina, em
cortes rápidos sempre iluminados pela tempestade temos o olhar da menina, um
jogo com o retrovisor que hora mostra o seu olhar, ora aquela massa de músculos
jogada sobre o vidro traseiro mas é tudo muito rápido... tem que ser... de repente
o motor volta a vida, se soprepõe à tempestade e em arranques bruscos e
desesperados o veiculo se projeta pra frente, graças a força gerada pelo
obstáculo humano que segurou o carro, sabe quando a gente dava corda em
carrinho de brinquedo fazendo as rodas girarem freneticamente até o limite para
depois soltar no chão... algo assim em escala muito maior... Mas o que importa
é que o jogo de “espelhos” do retrovisor fica mais acelerado agora...olhos
meninas... torso no vidro... olhos de novo... chuva e raios...
Buuuum
Ah
...
Esse foi perto, acho bom você
terminar a história, esta chamando a tempestade de verdade
Ahaha... parece, mas fiquem calmos
estamos no fim, alias foi uma encomenda isso
Por favor não chame mais...
Esta bem, mas termina assim mesmo,
no meio desse frenético movimento, temos o olhar da menina, o corpo do homem
misterioso descolando do vidro, o olhar da menina de novo sempre em contraponto
com a figura que vai mergulhando na chuva e na sombra até que um clarão toma
conta da tela com o som de um raio no fundo... tremendo e próximo como esse...
e a tela corta para um sol luminoso recortado contra um fundo azul... então
temos um letreiro que diz:
Quinze anos depois.
Vale!
Gostei também, tem final feliz!
Apesar de atrair raios...toc toc... afasta de mim.,. falando sério achei
levemente Almodóvar
O torso nu
Também, mas não e por isso eu acho
é mais por apresentar um drama intenso logo de chegada, com clímax e tudo mas
que a gente sabe que só é prólogo e tem o corte rigoroso literalmente no tempo como
clima e também como cronologias.. é... pensando bem, é por conta do torso nu...
Ahaha
Valeu, espantou o sono pelo
menos... continuamos... sim
Então pode ser ...
Eu! Vamos fazer como roda de mate,
estou do lado e tenho também um prólogo que termina..
Não conta...
Não tinha importância mas tudo bem,
na verdade tenho ate um pouco de vergonha porque é uma história simples... tem
aventura mas não desse jeito intenso.,.. é mais intimista, bom vamos lá... Começa bem diferente das anteriores... num
espaço fechado
Olho mágico... desses de espiar na
porta...ponto de vista do olho mágico com a imagem distorcida que lhe é
característica...
Vemos três pessoas, dois adultos (
um casal ) e um menino
´Pelas roupas alguém que conhece
moda identifica os anos setenta, mais pela figura feminina...uma mulher bonita
já na casa dos quarenta anos... com um vestido estampado no estilo Africano...
uma daquelas ondas recorrentes de usar as estampas
lindas por sinal...
verdade... a mulher usa um vestido
comprido estampado com motivos abstratos... de bom gosto... no cabelo um lenço
colorido, simples mas bonito, sem muitos adereços alem de um colar e uma
pulseira... enfim basta olhar uma revista de moda ou geografia da época para
ver como é... o homem é mais velho um pouco, esta mais para os cinqüenta e se
veste muito mais formal... na verdade usa aquela roupa estranha que o
presidente Janio Quadros divulgou no pais...o terno “safári” o nome diz tudo, a
versão inglesa da formalidade branca relaxando um pouquinho nos trópicos, camisa
e calça do mesmo tecido, gola simples e mangas curtas meio parecido mas não
muito com as túnicas chinesas, aquele conjunto calça e camisa da mesma cor dos
tempos Maoístas... Enfim esse negócio da
roupa é importante porque dá o contexto... ah uma coisa engraçada, a criança (
que é um menino por volta de dez anos de idade ) também veste um terno safári
só que o seu é verde esmeralda desbotado enquanto o do pai é em tons caqui (igualmente desbotado )...
ahaha eram assim mesmo naquele
tempo, a gente vestia cada coisa...
pois é, agora que estão
apresentados...incrivel o cinema...essa descrição toda se dá em um plano de
poucos segundos...bom...teorias a parte, agora começa.
Toca a campainha.
São recebidos por outro casal também vestido a maneira dos
setenta. O apartamento é amplo e bem decorado. O anfitrião é mais jovem, bem
magro e alto. Tudo acontece no clichê de jantar de casais, enquanto as mulheres
conversam o dono da casa prepara drinques, não pode faltar a cena do gelo no
uísque.E com certeza a maioria dos
adultos fuma também. A única peça
dissonante é o menino que, deslocado, começa a observar os quadros e objetos de
arte que não são poucos: muita arte abstrata, um móbile, esculturas e também
objetos que demonstram que seus donos viajaram pelo mundo. Logo a gente vê que homem magro percebe a solidão do garoto, uma rápida troca de planos mostra que
o anfitrião tem um plano pra resolver a situação. Enquanto faz uma senha para
os pais no estilo vou dar um jeito nisso ele conduz a criança para uma grande
porta de correr que se abre para outra
peça que está às escuras. Quando acende a luz vemos que é uma grande
biblioteca. Aqui cortamos para o ponto de vista do menino... isso é muito
importante, a luz. O lugar tem que adquirir um aspecto mágico, nem tanto pelas
dimensões - a peça é grande e repleta de livros que se distribuem até o teto –
mas pelo fato de ser acolhedora. O anfitrião conduz o “nosso” olhar que na
verdade é do menino, afinal isso tudo é cinema... e começa então uma nova paisagem dentro da
biblioteca. Estamos na parte reservada aos quadrinhos. Coleções encadernadas ao lado de revistas que
a câmera vai revelando serem de diferentes países...a partir de então o olhar do menino alterna com
planos de detalhe do acervo, o garoto em êxtase...
Ah h o menino é você mesmo! Fomos colegas, eu
sei... você desenhava o tempo todo!
... Pode ser.. outros aqui também
falaram...
Não tem nenhum problema, nunca
teve, as histórias tem que ser boas...pode misturar real e ficção...não
importa...adelante por favor.
... enfim, esse é o ponto alto da
abertura, quero uma câmera que passe muito perto dos títulos, como o olhar do
menino... Revistas Argentinas da “era de ouro” Rico-Tipo, El Hortência, El Eternauta ( ah importante, um
contra plano mostra o dono da casa voltando para a sala principal, a porta
correndo para fechar... a lente distorcida deixando essa cena lá no fundo, o
plano recortando o rosto do menino bem na frente... agora o som é importante
também, quando a porta fecha o silencio vem contribuir para realçar a magia daquele momento... a criança e
a descoberta de um mundo novo, imenso e inesperado, pode ser que use
fusões...não sei e não importa muito ... o que conta é mostrar Bill Abner,
Popeyes antigos, um livro grande que se destaca... o garoto puxa e olha com
cuidado.não,..um abum com Little Nemo... ele acaba de descobrir um mago..não um
mago mesmo... . tanto charlatão acaba nisso... perdemos a fé... Windsor Mac Kay
foi um mago o garoto percebe isso... e a sucessão de encontros não para...
temos um plano lateral com o garoto tirando e colocando de volta muitos
exemplares (em italiano ) da Alter Linus... hoje peça de colecionador...o
garoto não sabe mas intui que está num momento único, arqueólogo descobrindo
Machu Pichu ou a tumba de Tutancâmon, a solidão dos primeiros desenhos fica pra
trás e ele se descobre membro de uma confraria mágica, tão poderosa que alcança
um planeta inteiro... descobre que faz parte de um universo especial onde tudo
é possível... também fica um pouco esmagado pela pericia daqueles autores...
Milton Caniff... ele olha várias vezes aqueles carros e aviões em ritmo
alucinado no meio de aventuras em lugares tão distantes... descobre uma coleção
esquisita...engraçada porque tem muita gente batendo em soldados que parecem
Romanos e são romanos! O garoto acaba de encontrar uma coleção encadernada de
Asterix o Gaulês... fica olhando aquelas paisagens reconstruidas com perfeição
e logo depois descobre que ao lado estão álbuns com aquele Tintim que ele lê a
prestação no jornal de domingo
Ah é verdade saia em preto e branco
na pagina de domingo, quase um ano recortando e colando numa pasta pra fazer um
álbum...
Ah isso mesmo... acho que isso não
vai dar pra contar, a cena é bem mais rápida e essas coisas ficam na psicologia
de quem vê... enfim... a maravilha se expressa na sucessão de descobertas e a
idéia é que o ritmo de edição encaminhe a cena para o ponto critico, quando o
garoto encontra um volume que lhe chama a atenção, uma edição francesa do
clássico A Balada do Mar Salgado, de Hugo Pratt
..Desculpa interromper de novo, pra
mim a melhor história em quadrinhos de todos os tempos!
...Então, o garoto pega o livro e
começa a olhar as páginas, o Oceano Pacifico, barcos Maoris... Cruzadores
antigos e. então um corte violento para uma cena em alto mar...corte abrupto
mesmo... um veleiro entra em quadro no meio de um mar revolto, ondas muito
fortes mesmo, parece cena de filme de pirata e então entra um letreiro...trinta
anos depois...
É isso, minha abertura
Aha muito boa, gostei! Mas é você,
com certeza, você era o melhor desenhista da escola e isso eu sei porque estava
lá! A gente guardava os seus desenhos
dizendo que iriam valer uma fortuna quando você ficasse famoso!
Você é que esta dizendo... mas é
verdade um pouco, eu estive num jantar com meus pais e o dono da casa me
mostrou uma biblioteca maravilhosa de quadrinhos, numa época em que
praticamente ninguém tinha isso no Brasil... não aquelas edições... talvez o
pessoal do Pasquim..
Ahaha
Verdade.
Então você é desenhista?
Não, sou juiz. O desenho ficou na
infância...
levantou-se e foi buscar mais lenha
Wednesday, March 06, 2013
Cinema Falado
Medo Moderno
Tuesday, February 26, 2013
Tuesday, February 12, 2013
Piscinas 2013, elas voltaram!
Wednesday, January 30, 2013
Pedras praia da Gamboa
Tuesday, January 29, 2013
Monday, December 17, 2012
Teresa cansada
Teresa estava cansada muito cansada. A casa tinha sido ocupada nos últimos
dias e não existia um só lugar que não houvesse sido devassado por visitantes.
O ritmo das tosses marcava o compasso das intermináveis horas de espera.
Moribundos são assim, tem o espetáculo anunciado , marcham direto para o
desfecho mas adoram saborear o domínio da situação e tal como um chefe de seção
nos fazem esperar longas horas nos sofás da espera. Então as gentes fumam e
conversam e suspiram e temem também pelo seu momento, que deverá chegar um dia
se deus quiser daqui a muito tempo. E no olho do furacão Teresa disfarça o
cansaço e distribui gêneros e ditados e se movimenta o tempo todo ostentando
papel de capitão do navio seguro da rota e lá vai Teresa providenciar mais café
e cuidados para todos. Em momentos estratégicos
ela exerce o supremo direito de entrar no aposento onde Rui
Mauro se esvai lentamente quase virado em sopro mas que teimosamente se mantém
preso ao lado de cá com seus grandes olhos agora maiores do que tudo já prestes
a conhecer toda a verdade ou uns cinco por cento, o que dá no mesmo. Ainda faz
sinais e com muito esforço poderá ainda dizer algo importante e por isto Teresa
não se permite ficar longe muito tempo,claro que a menina está vigiando de olhos bem atentos mas não é bom
confiar nos outros mesmo que seja nessa menina velha que cumpre todas as
coisas pedidas como se fossem um ritual sagrado e agora tem barulho
demais na sala ,será que esta gente perdeu a noção das coisas? deve ser por
causa da tv que deixa todo mundo louco onde é que já se viu faltar o respeito
numa hora dessas? Fala um daqui a pouco eu volto e pelo amor de deus avisa
qualquer alteração com o doente e lá vai Teresa mais cansada ainda disfarçar
seu cansaço em eficiência e altivez de espírito. Rui Mauro acompanha tudo como
se fosse no cinema, como se tivesse bebido muito e ido ao cinema, com um pouco
de febre também e então os personagens e ambiente mudam o tempo todo e tudo
parece confuso demais a princípio mas o tempo passa e gente vai
acostumando e até gosta e seria de rir saber que estar moribundo nem é tão ruim
assim apesar de ser o fim. O pensamento compensa a inércia do corpo e já ensaia
a liberdade da alma e voa e voa cada vez mais alto e longe, brincando de
visitar pessoas e lugares já muito remotos, quase improváveis e a medida que
assume o controle da nova situação Rui Mauro se diverte misturando personagens
da infância, velhos romances e parentes queridos numa ciranda cada vez mais
alucinada e que contrasta com o corpo pálido, desfeito em suor e miasmas, a
pele convertida em cera mergulhada nos vapores de um quarto quase mortuário e
aquela menina velha pavorosa que é melhor não ver com seu olhos fixos
encarnados na missão de assinalar a hora final da passagem e onde diabos afinal
anda Teresa que é a única coisa boa do lado de fora desta minha morte tão comprida
e ,quando não dá pra brincar, tão chata. Meu deus alguém bem que podia abrir a janela e despachar
esta menina velha para Manaus, ai Teresa onde você anda!
E Teresa agora recebe mais gente e comanda novos grupos, porém
sempre com a cabeça dentro do quarto vigiando e esperando se Rui precisar algo
e então sente uma campainha chamar com desespero e tudo ao redor congela e
corre rápido para o quarto onde Rui agora faz um esforço muito grande porque
seu vôo delirante foi interrompido por uma necessidade urgente de fazer um
pedido acompanhado de um medo enorme de não conseguir mais falar- afinal quanto
tempo faz da ultima vez? - justo agora que seria fundamental e meu deus não
permita que eu parta sem deixar algo tão importante sem resolver .
- por favor venham palavras! minhas últimas palavras não me faltem pelo
amor de deus e venha você Teresa também, que não a de ser pra esta menina velha
horrorosa que eu vou deixar este pedido crucial e pelo amor de deus Teresa
entendeu o chamado, deve ser porque o clima da casa criou uma enorme energia
estática e assim foi que cruzando os ares densos da casa Teresa entrou no
quarto que já era quase só o olhar gigantesco do Rui Mauro que pedia sua
proximidade e mal deu tempo pra expulsar a menina velha pra sala, posto que a morte como qualquer necessidade
fisiológica deve ser íntima, em
seguida encostou o rosto na máscara do Rui que num esforço de trem subindo
montanha mal pode dizer: Pelo amor... Deus......não deixa.....hipótese..nenhuma....................................................não
.... em caso algum...............-.e num arranque quase como um grito com mínimo volume - Teresa! não
deixa de jeito nenhum o Monza nas mãos do Adilson!!! e daí olhou
com os olhos imensos pro nada onde sentava um minuto atrás a menina velha
horrorosa.
Então descansaram os dois, cada um do seu lado do muro.