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Sunday, April 30, 2006

 

Aniversário da Flora


Hoje vou fazer um intervalo porque este é um dia muito especial pois minha filha ( Flora ) completa seu primeiro ano de vida. Então resolvi aproveitar o ensejo para publicar uma carta que fiz para ela.

Flora:


Pois é, quem diria, hoje você irá completar sua primeira volta ao redor do Sol, um feito memorável ainda mais que por hora é desnecessário se preocupar com os efeitos colaterais.Ao contrário de mim que no alto destas minhas 43 voltas já começo a sentir uma certa tonturinha - por enquanto divertida, como aquela das primeiras baforadas no cigarro. Mas o que importa dizer agora é que fui pai tardio, na minha quadragesima segunda volta, repetindo um pouco a diferença de idade com meu próprio pai ( 40 anos, com a diferença que eu era o último de uma tribo de quatro crianças ). Portanto, acredito que você também vai desfrutar do que o Eloarzão chamava regalias de neto: uma certa leveza no tratamento e a vantagem de lidar com um pai com um temperamento atenuado pela maturidade. Em resumo, um regime mais liberal. Mas apesar de pai tardio não tive muita folga e meu batismo de fogo foi de fogo mesmo, pois como já é de conhecimento geral, com apenas uma semana de vida você foi enfrentar numa UTI uma Pneumonia que consumiu minuto a minuto por tres imensas semanas as suas e as nossas forças. E que felizmente hoje já é coisa do passado, história com final feliz. Porém minha alma Polianesca sempre acaba encontrando sentido em tudo, desde ao tempo perdido no litoral Gaúcho até a a decepções amorosas, culminando com a maior agonia que experimentei na minha vida. Acredito que por mais que façamos treinamentos e por mais que acreditemos em alguns valores, nossas virtudes ( e defeitos ) só serão realmente revelados em situações limite. Mais ou menos como na clássica situação de um incendio: você nunca pode ter certeza se na hora entrará em panico ficando imobilizado ( hipótese diga-se de passagem horrivel ) ou ao contrario vai se descobrir alguem capaz de fazer façanhas heróicas ou ainda vergonhosamente por se defrontar com a lamentável figura de um covarde. Ou seja , numa situação-limite, sem a presença ilusória do verbo a gente se revela por inteiro na ação. E foi na situação limite de assistir a nossa filha de poucos dias cheia de tubos e recebendo oxigenio dentro de uma encubadeira, imerso na tortura das imensas esperas de corredor de hospital, foi nesta arena de tortura, no meio de um terror novo e indescritivel para mim que eu descobri uma maravilha: eu tinha ao meu lado a pessoa mais admirável que eu já conheci, eu era ( e continuo sendo ) uma pessoa de muita sorte. Nossa vida era assim naqueles dias: como a UTI tinha espaço apenas para um acompanhante era natural que a mãe ficasse a maior parte do tempo lá dentro e o pai fizesse visitas mais rápidas. Então eu ficava pelos corredores, pronto para dar apoio e atendendo as pessoas que iam ao hospital. Desta forma eu passei tres semanas dormindo no estacionamento ( aliás como vários outros pais ).E cada manhã eu era despertado com pancadas da Lu no vidro e ansioso buscava decifrar como tinha sido a sua noite. Depois tomavamos café juntos e ela voltava pra UTI, mas antes ela tinha de passar numa ordenha ( o pior é que era isto mesmo ) pois ela tinha de tirar o leite para que lhe dessem via tubos– e o certo é que ela nunca deixou de lhe doar leite, mesmo vivenciando o maior estresse que alguem possa suportar.
E foi no terceiro dia desta nossa via crucis que eu percebi realmente com quem havia ligado ( e apartir de então para sempre ) minha vida: pálida de sono, exausta depois de mais uma incomoda sessão para tirar o leite ela foi chamada por uma enfermeira pois você estava chorando. Então eu fiquei vendo ela se afastar pelo corredor, desajeitada e com pressa, direto para atender a filha, exausta porém determinada. Com o indefectivel abrigo azul marinho com listas vermelhas. Naquele instante eu percebi que a Lu era imensa:
Ela suportava tudo sem um vacilo, sem manifestar desespero, sem histeria.
Acontece que um dia eu tinha combinado com ela um revesamento e desta forma ela foi dormir no carro. Porém você estava muito inquieta eu tive de descer para busca-la. Como cheguei de surpresa em nosso carro-maloca eu a surpreendi chorando. Chorava quietinha, no banco de trás, bem baixinho. Chorava de pena da filha, chorava porque a filha sofria. Chorava sózinha.
Pois é, felizmente agora tudo isto já passou, mas como eu sou daquelas pessoas que acredita no poder da história, que pensa nas experiências vividas como sementes do futuro, descobri naqueles dias de pesadelo que minha filha é uma guerreira , algo muito explicavel afinal porque também descobri que a mãe dela - a nossa Lu - é imensa.
E eu um homem de muita sorte.

PS. Descobri também que depois de 17 dias de hospital, finalmente São Paulo teve de volta sua maior atração turística: O sorriso da Lucila.

Comments:
domingo de manhã... estou na correria para terminar o filme mas gosto de olhar algumas coisas bonitas antes de começar o trabalho. Hoje resolvi rever seu blog. Estou cá de lágrimas nos olhos, torcida de emoção com o seu texto. Você já tinha me contado a estória, já sabia dos fatos, mas relê-los celebrando junto este 1 ano...

Bom, parabéns para vocês 3. Parabéns.
Saudades e nos vemos bem em breve.
bjs

Adriana Meirelles
 
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